O luto é um processo natural e individual, que irá depender do grau de proximidade com a pessoa que faleceu; de quem está enfrentando o momento; seu histórico; sua saúde mental
Mais de 200 mil pessoas já morreram por COVID-19, até janeiro de 2021 no Brasil. São pais, mães, irmãos, amigos, amores de alguém que pode estar no seu time.
Em todas as esferas das companhias, grande parte das pessoas está lidando com algum nível de tristeza e ansiedade. Se a morte é um assunto velado, o luto pela perda de alguém com COVID-19 é ainda mais traumático e furtivo.
A ausência de oportunidade de despedida e de rituais fúnebres devido à pandemia reforça as dores e consequências do luto. O colaborador, que acaba de passar por uma perda significativa, pode necessitar de auxílio para reorganizar as atividades cotidianas, compreender e definir seu novo papel enquanto vivenciar a tristeza.
Mais do que conceder a licença temporária, existem muitas outras maneiras de dar a assistência e o conforto que fazem a diferença para quem passa por esta perda.
Como lidar com o luto na minha corporação
Tratar a morte, assunto tão presente nos nossos dias, em tempos de COVID-19, de uma maneira atropelada terá uma influência muito forte no clima da organização deixando de atender às expectativas do ambiente e, claro, das pessoas.
E com o objetivo de criar um caminho de cuidar da não-banalização do luto e do morrer, tratar as perdas com a dignidade que este processo merece é sinal de que podemos ser humanos. É reafirmar que cada vida importa. As que vão. As que ficam. Todas elas. É acolher a vulnerabilidade como uma força em nossos espaços produtivos. É garantir que não somos máquinas.
1 – Desmistificando a morte
Preparar líderes e colaboradores para falar sobre a morte é importante para desmistificar o luto nas corporações. De modo geral, as pessoas não sabem como agir, ou o que dizer frente a uma pessoa enlutada.
Os gestores percebem o clima da equipe alterado, querem muito fazer algo, mas não sabem o que fazer para lidar com isto. Como confortar? Como apoiar? Às vezes se arriscam com algumas medidas, mas sempre inseguros pela falta de parâmetros mais claros de que tipo de “ajuda” realmente vai “auxiliar” as pessoas naquele momento.
É importante informar os times sobre a perda de alguém próximo a um colega, orientando as equipes sobre como receber este trabalhador no seu retorno.
Esse acolhimento é fundamental: não fugir, não desviar o olhar, ouvir, se oferecer para ajudar, conversar são atitudes muito positivas. Em contrapartida, as pessoas devem evitar: pedir para o enlutado ser forte, para não chorar, para não falar do assunto ou dizer que vai passar.
A pessoa que passa pelo luto deve sentir que não será menos profissional ao compartilhar e lidar com estas emoções também no ambiente de trabalho.
2 – Rede de apoio
A demonstração de empatia pode vir do gestor imediato, de um gerente de RH ou representante da área, dos demais colaboradores e até mesmo de um assistente social.
Dependendo do tamanho da corporação, promover palestras e grupos de apoio ao luto com extensão à família funcionará mais do que como um espaço para desabafar, mas sim um momento para entrar em contato com tempo e suporte emocional com o que cada um está enfrentando.
Difundir leituras relacionadas ao tema nas redes de comunicação interna e oferecer atendimento psicológico emergencial é muito importante que o enlutado conte com alguma ajuda profissional.
É fundamental que a pessoa enlutada perceba que tem aliados no ambiente de trabalho. Esse acolhimento cria uma rede de apoio preparando este colaborador para dar suporte quando outros estiverem em luto.
Todo cuidado e respeito é pouco na oferta destas informações e profissionais.
3 – Antecipação das férias
Tendo em vista a fragilidade emocional, muitos colaboradores acabam solicitando licença médica no período de luto. Antecipar as férias pode dar ao colaborador o espaço e tempo necessários ao seu realinhamento.
4 – Mudança temporária de setor
Para os casos em que a atividade laboral está diretamente ligada às questões delicadas de relacionamento com pessoas, como setores de RH ou atendimento ao cliente, por exemplo, em que a condição do enlutado possa comprometer seu desempenho; ou quando sua função exige muitas viagens em um momento em que a pessoa precisa ficar mais próxima da família e amigos. Essas mudanças devem ser previamente combinadas e o enlutado deve se sentir confortável com elas.
No caso de perda de colaboradores
Empresas com uma gestão em RH bem elaborada estão preparadas burocraticamente para lidar com a perda de um colaborador. Há um roteiro de providências jurídicas/trabalhistas a serem tomadas assim que a morte é confirmada.
No entanto, para além das questões legais, infelizmente diversas organizações não estão aptas a lidar com a humanização necessária ao falecimento de um funcionário.
Mesmo que exista um roteiro pré estabelecido às questões legais, é preciso que os procedimentos sejam executados com empatia e responsabilidade.
Como lidar:
- Família do colaborador: Sensibilidade e ações para préstimo das condolencias e garantia de todos os direitos do empregado a seus dependentes.
- Colegas de trabalho: O clima organizacional será inevitavemente abalado, e alguns funcionários a depender da proximidade com o falecido, sentiram em diferentes níveis o luto. A empresa deve estabeler em sua cultura ações de relacionamento que possibilitem ao colaborador um diálogo franco e acolhedor.
Cabe ao gestor conversar com seus colaboradores para que haja um realinhamento do setor. Seja para questões práticas como o que fazer com os materiais e espaço de trabalho do funcionário que faleceu, o que ocorrerá com o posto que ocupava e suas tarefas. Seja para estabelecer ações de acolhimento, assistência psicológica e/ou grupos de apoio, para que seja acordada a melhor forma de passagem por este período pelo setor, pela empresa e se compreenda e lide coletivamente com este luto. O ideal é que estas ações façam parte das políticas de diretriz da empresa e sejam adaptadas a cada setor, grupo que passe pelo fato.
Saúde mental na pandemia
Ao retornar às suas atividades laborais depois da morte de algum familiar é natural que o colaborador apresente certa desorganização na retomada de suas funções. Erros, atrasos, baixa produtividade, irritabilidade e perda de foco.
Esta não é uma regra geral, você poderá notar algumas pessoas que retomam as atividades durante o luto sem demonstrar perda de produtividade em suas funções. Mas isso não quer dizer que não esteja sofrendo, mas que está usando de habilidades internas como uma maneira de superar o luto.
Já em determinados casos, podem aparecer doenças como depressão e outras causadas pela baixa imunidade e consequentes de uma mudança brusca nos hábitos alimentares ou falta de sono.
Estamos todos no mesmo barco
Precisamos assumir e acolher nossas fragilidades e vulnerabilidades e por consequência a dos colaboradores. ⠀ Enquanto gestor, deve-se criar protocolos de ações às situações de luto. Procedimentos que englobem as ações práticas, mas que também acolha e respeite o enlutado.
Se a discussão deste assunto fizer parte da cultura da empresa, será possível ser mais ameno à toda equipe conseguir direta ou indiretamente lidar com este momento da forma mais respeitosa, honrada, ética e empática possível. ⠀ Pós 2020 não cabe a este assunto ficar no silêncio e abstenção no ambiente organizacional. É urgente que aceitemos a humanidade das pessoas, sua finitude e o quanto isto nos afeta.
É preciso reconhecer que esta desumanização e tabu sobre o luto, imposta pelos antigos modelos de gestão, além de ser prepotente e ultrapassada, é insensível, cruel e se mostra ineficiente e onerosa ao enlutado e a organização empresarial.